quinta-feira, outubro 19, 2006

Servir e proteger

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Armado, guarda obriga 110 crianças a ficar de joelhos

Meninos de 7 a 14 anos, que foram ao teatro, precisaram ficar sobre pedras em Amparo

Alguns dos garotos saíram com as pernas sangrando; intervenção de atriz terminou com o castigo imposto pelo soldado

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

MAURÍCIO SIMIONATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPINAS

"Cala a boca todo mundo. Ajoelha e põe as mãos para cima." Segundo uma aluna de 13 anos do Centro Educacional do Sesi, foi com esses imperativos que um guarda civil municipal de Amparo, na Grande Campinas (SP), obrigou cerca de 110 crianças, uniformizadas e acompanhadas por seus professores, a se prostrar de joelhos em um chão de pedra de brita. As crianças tinham ido a um centro cultural assistir a uma peça de teatro.
"Sabe aquele filme, Carandiru? Aquela cena em que os soldados humilham os presos, colocando-os enfileirados e submetidos? Nós tivemos um Carandiru aqui." Assim a atriz Arminda Riolo, 26, descreveu a cena que ela viu na última segunda-feira, às 9h30, quando se preparava para encenar a peça Dom Casmurro para os alunos do Sesi, meninos e meninas com idades entre 7 e 14 anos.
Alguns meninos saíram do episódio com os joelhos sangrando. Uma das crianças castigadas havia tido alta hospitalar na semana passada, depois de passar por uma cirurgia justamente no joelho, segundo relato de uma professora.
O guarda municipal responsável pelo abuso, com nome de guerra "Pavan" (o comando da guarda não divulga o nome completo por temer retaliações contra o patrulheiro), foi afastado de suas funções no mesmo dia e um processo administrativo foi aberto pela Prefeitura de Amparo (130 km de SP).
Era para ter sido um dia de festa. Às 8h30, os alunos do primeiro grau do Sesi se reuniram na escola, para em seguida sair, caminhando, em direção à sede da Fundação São Pedro, que fica instalada no alto de um morro. Já tinham chegado e aguardavam do lado de fora da lona branca que abrigava o palco e platéia de um teatro improvisado e, de repente, viram um carro da Guarda Civil subindo o morro.
De dentro, desceu o patrulheiro Pavan, com uma pistola no coldre, e que ainda teve tempo de tirar do carro uma espingarda calibre 12, limpá-la com um pano preto, e guardá-la no porta-malas. "Foi para fazer medo que ele fez isso. O guarda era branco, mas logo ficou vermelho, de tanto que gritava com a gente", lembra uma menina da 8ª série. "Por causa de um todos vão pagar", repetia Pavan, para surpresa de muitos alunos, que não entendiam o que acontecia.
"Uma menina da minha classe achou que teatro era misterioso assim, que começava sem a gente entender direito", lembra o filho de um motorista, aluno da 7ª série. Mas Pavan sabia bem o que procurava.
O patrulheiro queria saber quem tinha jogado, poucos minutos antes, uma pedra, atingindo a cabeça de um outro guarda, que estava à paisana, andando perto dos alunos do Sesi, quando eles iam da escola para o teatro.
A pedrada no guarda à paisana abriu um grande ferimento, por onde saiu sangue abundante. Quando viu a cena, seu companheiro ali, ferido, o guarda Pavan perdeu a cabeça.
Ele subiu o morro disposto a achar o responsável pela agressão. No caminho, cruzou com algumas professoras, que acompanhavam a caminhada de seus alunos, e pediu para conversar com eles. Os alunos foram reunidos em uma roda.
Mas Pavan não conseguiu parar o falatório das crianças. "Aos gritos, ele dividiu os alunos em quatro grupos. Mandou cada grupo formar uma fila -um atrás do outro, com um braço de distância-. Em seguida, veio a ordem: Ajoelha", lembra uma aluna.
"Eu achei que a gente tinha de rezar antes de entrar no teatro", confessa um menino de 14 anos, primeira vez que ia ver uma peça. "Tinha criança rindo, sem entender, mas a grande maioria ficou séria, assustada", lembra uma professora.
Dependendo de quem diz, o tempo estica ou encolhe. As crianças dizem que ficaram na posição por cinco minutos. O policial diz que foi por 40 segundos. Para os pais, foi uma eternidade.
"Eu acho que uma pessoa dessas não tem a menor condição de trabalhar na guarda. Se ele está doente, estressado, que se cuide. O que não pode é colocar em risco a vida de outras pessoas", diz Rosana Maranin Rodrigues de Almeira, 42, mãe de um menino de 15 anos que participou do episódio.
E como acabou a história? "Acabou quando uma atriz linda, baixinha, cabelos ruivos e bem branquinha, vestida com uma roupa preta bem largona, entrou na cena dizendo: "você não pode fazer isso, eles são menores, estão todos de uniforme. Saia daqui agora'", rememora uma aluna do Sesi. O guarda valentão saiu. A atriz chama-se Arminda Riolo. Na peça ela é a mãe de Bentinho. A aluna? Bem, agora quer ser atriz quando crescer.

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